Quando comecei a frequentar o Museu de Zoologia, em meados de 2008, eu era muito mais rookie do que sou hoje. Como todo iniciante, queria abraçar o mundo todo da entomologia, e tinha a doce e inocente ilusão de que seria capaz de saber tudo o que há para saber sobre insetos, principalmente sobre besouros, o que é claro, foi um sonho prontamente quebrado no momento em que comecei a frequentar o laboratório do grande e saudoso mestre, Ubirajara Ribeiro Martins.
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Psygmatocerus wagleri Perty, 1838 - O Cerambycidae que mudou a história da entomologia no Brasil. |
O Bira, como era carinhosamente chamado, era um senhor já, com seus 70 e poucos anos, alto, de ombros largos, levemente curvado e com um bigode marcante. Faziam poucos meses que eu estava trabalhando como monitor de exposições no MZ e aproveitei para conversar com ele, por e-mail, pedindo para ser seu estagiário e começar a frequentar seu laboratório. Ele me chamou pra uma entrevista no laboratório e combinamos de fazer o estágio três vezes na semana, segundas, quartas e sextas.
Pra minha enorme surpresa, foi a melhor coisa profissional que aconteceu na minha vida. Eu, vindo de uma pequena universidade particular, não tinha as mesmas oportunidades de outros estudantes de grandes universidades, onde existem laboratórios de pesquisa, grandes bibliotecas e uma prática científica propriamente dita, e poder estar ali, aprendendo com um dos maiores especialistas em besouros do mundo era uma honra para poucos.
O Bira me dava aulas particulares de elementos essenciais de taxonomia, biogeografia, literatura zoológica, sistemática e claro: entomologia. As aulas eram realmente particulares, lembro que ele falava 'Senta aqui rapaz, pega um rascunho ai', e as aulas maravilhosas começavam, com o cara me ensinando como se eu fosse uma criança, com toda a disposição do mundo, sem se enfezar ou se irritar, sempre de bom humor e disposto a ajudar, e olha que eu não parava de perguntar. Mesmo sendo especialista em Cerambycidae, o Bira nunca me incentivou a trabalhar com estes bichos, acho que ele sabia que já tinha gente demais trabalhando no grupo. Realmente, foi um grande mestre, o qual eu sempre terei um grande carinho e consideração. Fui seu aluno de 2008 a 2012, quando entrei na pós-graduação do MZ sob orientação da também grande professora, Cleide Costa.
Eu e o mestre Bira, em Maio de 2012. Aquela lupa ali, por mais velha que fosse, era a predileta dele, e sob suas lentes mais de 2 mil espécies de besouros foram descritas. |
Uma das coisas mais legais eram os passeios pela coleção e pela biblioteca. Cada família nova que eu aprendia a identificar ele me levava a seção da coleção para contemplar as espécies, cada dúvida que tínhamos íamos a biblioteca conferir as publicações originais, muitas vezes na seção de livros raros, literatura do Fabricius, Linnaeus, Latreille, Gorham, era realmente um grande prazer (obrigado, Dione Seripierri, sem você isso também não seria possível!).
Um dia, enquanto ele me apresentava a coleção de Cerambycidae (minhas paixões eram os Callichromatinae) ele me mostrou o bicho que mudou a vida dele (e consequentemente a de centenas de entomólogos e sistematas): Psygmatocerus wagleri Perty, 1828. O Bira, que na época era estudante de Agronomia em Viçosa, Minas Gerais, diz que certa noite, enquanto estudava, aquele bicho lindo entrou pela janela e o encantou, e foi este mesmo bicho que o levou a procurar o professor de Zoologia dele e a seguir na carreira de entomologia.
O Bira, que nasceu em 08 de Julho de 1932, faleceu em 26 de maio de 2015. Ele, que atuava no Museu de Zoologia desde 1959, foi um dos maiores coleopteristas do Brasil e do mundo, sendo autoridade mundial no estudo dos Cerambycidae Neotropicais. Descreveu mais de 2000 espécies e foi muito importante na disseminação da taxonomia e sistemática no Brasil, ministrando cursos em várias universidades, auxiliando na criação de sociedades científicas, na elaboração de políticas públicas, além de claro, ser meu professor. Será sempre lembrando por nós, pelo trabalho, e pela personalidade brilhante e brincalhona.
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